A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é uma doença prevalente em toda a população mundial, atingindo aproximadamente 10 a 15% da população em países desenvolvidos. Esta condiciona a qualidade de vida do portador, mas estratégias terapêuticas adequadas conseguem reduzir significativamente os sintomas e controlar esta condição.

A SII é um distúrbio gastrointestinal funcional, caracterizado por um conjunto de sintomas -sobretudo gastrointestinais. Este distúrbio da interação intestino-cérebro, caracterizada por dor abdominal, distensão abdominal, obstipação e diarreia. 

Vários mecanismos fisiológicos têm sido sugeridos para contribuir para o desenvolvimento da SII, incluindo alterações no microbioma intestinal e interação dos sistemas nervoso central, autónomo e entérico.

Diagnóstico

A Síndrome do Intestino Irritável não pode ser detetada através de exames médicos (análises clínicas, imagiologia médica, etc.). Por esse motivo, a Fundação  Rome, formada por médicos especialistas, desenvolveu o diagnóstico Roma IV.

Os critérios de Roma IV que permitem estabelecer o diagnóstico da síndrome do intestino irritável são os seguintes:

  • dor abdominal recorrente:  em média pelo menos uma vez por semana nos últimos três meses.

Associada a dois ou mais dos seguintes:

  • alívio da dor com defecação;
  • alteração na frequência das fezes;
  • alteração da forma e/ou aparência das fezes.

Tipos de SII

Existem quatro principais sub-tipos de SII, que devem ser determinados quando o paciente não estiver a tomar qualquer medicação para tratamento dos sintomas intestinais:

Existe ainda a SII pós-infeciosa (os sintomas surgem após uma infeção do trato gastrointestinal) e SII pós-diverticulite (os sintomas ocorrem após o tratamento de uma diverticulite). Para ajudar neste diagnóstico, é usada a Escala de Bristol, destinada a classificar a forma das fezes humanas em sete categorias.

Causas da SII

A fisiopatologia da SII tem sido alvo de intensa investigação científica nos últimos anos. 

Atualmente sabe-se que esta condição resulta da interação intestino-cérebro e que múltiplos fatores estaram envolvidos no seu desenvolvimento. 

A fisiopatologia complexa da SII ainda não é totalmente compreendida, mas sugere-se que envolva fatores genéticos, hipersensibilidade visceral, inflamação do trato digestivo de baixo grau, alterações na motilidade gastrointestinal, inflamação de baixo grau, microbiota intestinal e eixo intestino-cérebro. Como resultado disso, os tratamentos da SII dependem atualmente de abordagens multifatoriais. 

O modelo biopsicossocial, em que fatores físicos e fatores psicosociais estão na origem da doença, parece o mais completo para explicar a origem da doença.

Interação intestino-cérebro

É reconhecido o papel que o Sistema Nervoso Central (SNC) exerce sobre o intestino, regulando funções gastrointestinais como, a motilidade (capacidade de um objeto ser movido pela energia metabólica), a secreção de mucina (família de proteínas de elevada massa molecular, fortemente glicosiladas), produção hormonal e uma componente imunológica. Todavia, só recentemente, estudos apresentam que o Sistema Nervoso Entérico (SNE) pode regular também o SNC.

A comunicação entre o intestino e o SNC é bidirecional e está centrada nas vias neurais, endócrinas e neuroimunes.

É por meio do nervo vago que uma parte significativa desta relação intestino-cérebro ocorre. Representa uma via neural que se comunica com o cérebro e outros órgãos, como o intestino. Esta via possibilita a conexão de áreas cognitivas e emocionais do cérebro com algumas funções intestinais associadas à permeabilidade intestinal, imunidade e sinalização enteroendócrinas, o que contribui para entender as desordens do eixo intestino-cérebro.

As ruturas estruturais e funcionais do eixo intestino-cérebro alteram as respostas reflexivas e preceptivas do sistema nervoso, que podem potencialmente instigar distúrbios gastrointestinais, como a SII. 

Este eixo controla a inflamação local e permeabilidade intestinal, que por sua vez impacta a microbiota intestinal e a sua produção de metabólitos.

Permeabilidade Intestinal

A alteração da permeabilidade intestinal é um dos fatores associados ao desenvolvimento da SII.

Quando a mucosa que reveste o intestino está saudável é naturalmente semipermeável permitindo a passem que dos micronutrientes  para a corrente sanguínea mas não grandes partículas de alimentos, micróbios e toxinas.

Quando há aumento do espaçamento entre as células da mucosa o intestino fica hiperpermeável. Partículas de alimentos e toxinas não digeridas passam pelos orifícios da parede intestinal e entram na corrente sanguínea. Isso faz com que o sistema imunológico reaja exageradamente causando inflamação crónica, sensibilidade alimentar, autoimunidade e absorção reduzida de nutrientes. Pessoas com intestino hiperpermeável, geralmente experimentam sintomas digestivos como gases, inchaço, indigestão e dor abdominal.

Microbiota Intestinal 

Alterações na microbiota intestinal têm sido associadas á SII, pois podem alterar a imunidade e a integridade do intestino e influenciar o normal funcionamento do eixo intestino-cérebro.

A microbiota é o conjunto de microrganismos que habitam no intestino que têm inúmeras funções na saúde humana.

Contudo, os metabolitos produzidos por esses organismos, como os ácidos gordos de cadeia curta, que desempenham igualmente preciosas funções na manutenção da homeostase intestinal e sistémica, são igualmente importantes. 

No SII pode haver alteração da microbiota, levando a uma Disbiose intestinal. Alterações da microbiota intestinal por alterações em variedade ou proporção dos microrganismos, pode estar envolvida na SII. 

Em alguns casos de SII poderá haver uma disbiose com proliferação de bactérias, fungos ou vírus potencialmente patogénicos. A disbiose pode levar à libertação de metabolitos prejudicais para a corrente sanguínea, comprometer o funcionamento da barreira intestinal e potenciar o estado inflamatório. Evidências científicas mostram que a falta de equilíbrio no microbioma intestinal (microbiota e metabolómica) modifica as respostas imunológicas do metabolismo e também da permeabilidade intestinal, levando a um estado pró-inflamatório (que potencializam a inflamação).

Genética e epigenética

Fatores genéticos e epigenéticos podem estar relacionados com a sensibilidade para desenvolver a SII. Têm sido identificados polimorfismos genéticos que parecem predispor para esta doença.

Vários estudos de polimorfismos de nucleotídeo único (SNP) detetaram variantes de genes relacionados com a patogénese da SII, incluindo genes associado à sinalização da serotonina, regulação imunológica, função de barreira epitelial.

Fatores epigenéticos, como a metilação do DNA, foram também associados ao SII. 

Dieta 

Devido à forte associação entre a SII e a dieta praticada, tanto os pacientes como os especialistas confirmam uma atenuação e até erradicação de sintomas provenientes desta síndrome. O que relata, mais uma vez, a importância de um tratamento dietético estratégico.

Relembrando que:

  • Dietas desequilibradas e ricas em alimentos pró-inflamatórios, podem ativar o sistema imunológico e o aumento da permeabilidade intestinal, predispondo à inflamação e ao SII.
  • Dietas carentes em nutrientes também potenciam o desenvolvimento da SSI, pois levam a deficiências nutricionais.
  • Dietas pobres em FODMAPs, (ligação com artigo) têm demonstrado impacto muito significativo no controle da sintomatologia associada á SII. Alimentos ricos em hidratos de carbono fermentáveis, também estão associados ao agravamento dos sintomas da SII. 

Stress

O stress psicológico é reconhecido como um dos ‘gatilhos’ da SII e pode ter uma influência crítica no eixo intestino-cérebro.

Sabe-se que o stress afeta também a motilidade e a permeabilidade intestinal, a sensibilidade visceral, as respostas imunes e a composição da microbiota intestinal.+info

O stress crónico pode modificar muitas funções do intestino, incluindo os fatores referidos anteriormente e até o circuito central dos sinais de dor. A transmissão das sensações de dor e a sua perceção são influenciadas pela microbiota intestinal, sustentando a visão de que o stress pode interagir com a microbiota intestinal via eixo intestino-cérebro.

Além do desconforto gastrointestinal, os pacientes com SII geralmente sofrem de sintomas psicológicos, incluindo depressão, ansiedade e somatização.

A microbiota sintetiza neurotrasmissores (GABA, dopamina, serotonina) que afetam o estado emocional do paciente e predisposição para hipersensibilidade visceral e alteração da motilidade intestinal, frequente na SII.

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